A ideia de estar acordado durante uma cirurgia no cérebro pode parecer assustadora à primeira vista, mas essa técnica — conhecida como craniotomia com paciente desperto, ou simplesmente cirurgia desperta — tem se tornado cada vez mais comum em casos específicos, principalmente quando o tumor está localizado em áreas cerebrais responsáveis por funções vitais como a fala, a motricidade, a linguagem, a memória ou o comportamento.
Este tipo de procedimento alia o avanço da neurocirurgia com a colaboração ativa do paciente durante a operação, permitindo que os cirurgiões tenham maior precisão e segurança ao remover tumores em regiões delicadas do cérebro, preservando ao máximo as funções neurológicas.
Neste artigo, você vai entender como funciona a cirurgia com o paciente acordado, em quais casos ela é indicada e quais são os seus benefícios e desafios.
O que é a cirurgia com o paciente acordado?
A cirurgia desperta é um procedimento neurocirúrgico realizado com o paciente acordado e consciente durante parte da operação. Ela é cuidadosamente planejada para que o paciente possa responder a comandos e realizar testes específicos enquanto o cirurgião atua nas áreas mais sensíveis do cérebro.
Essa abordagem é especialmente importante quando o tumor está em áreas chamadas de eloquentes, ou seja, regiões responsáveis por habilidades essenciais como a linguagem, o movimento dos membros, a percepção sensorial e até as emoções.
Por que manter o paciente acordado?
O cérebro em si não possui receptores de dor, o que torna possível operar determinadas áreas com o paciente desperto, desde que sob anestesia adequada nas camadas externas (como o couro cabeludo e a musculatura). Ao manter o paciente acordado, os neurocirurgiões conseguem:
Mapear em tempo real as áreas funcionais do cérebro;
Evitar danos permanentes às funções essenciais durante a remoção do tumor;
Testar fala, compreensão, memória, movimentos e emoções conforme o procedimento avança;
Reduzir o risco de sequelas neurológicas graves no pós-operatório.
Como funciona a cirurgia passo a passo?
A cirurgia com paciente acordado é realizada por uma equipe multidisciplinar composta por neurocirurgiões, anestesistas, neurologistas, fonoaudiólogos e psicólogos. Veja como ela geralmente ocorre:
- Planejamento e avaliação pré-cirúrgica
Antes da cirurgia, o paciente passa por exames de imagem, como ressonância magnética funcional, que ajudam a mapear as áreas críticas do cérebro. Também são feitos testes neuropsicológicos para avaliar as funções que serão monitoradas durante o procedimento.
- Início sob anestesia
O paciente é anestesiado localmente para a abertura do crânio (craniotomia). Em alguns casos, utiliza-se sedação leve para garantir conforto.
- Despertar e colaboração
Assim que o cérebro está exposto, o paciente é despertado e começa a interagir com a equipe, realizando tarefas como contar números, mover partes do corpo ou responder perguntas simples.
Enquanto isso, o cirurgião aplica pequenos estímulos elétricos em diferentes áreas do cérebro para identificar zonas seguras e zonas críticas. Isso guia a retirada do tumor com maior precisão.
- Finalização e fechamento
Após a remoção do tumor, o paciente é sedado novamente para o fechamento do crânio. Todo o procedimento é monitorado cuidadosamente para garantir estabilidade e segurança.
Indicações da cirurgia desperta
A cirurgia com paciente acordado é indicada em casos em que o tumor está localizado em regiões críticas do cérebro. As principais indicações incluem:
- Gliomas de baixo ou alto grau em áreas eloquentes;
- Tumores próximos ao córtex motor ou da fala;
- Epilepsias refratárias com foco em áreas sensíveis;
- Casos em que a cirurgia tradicional representaria alto risco de sequelas neurológicas.
É importante ressaltar que nem todos os pacientes estão aptos para esse tipo de cirurgia. A decisão depende de uma avaliação clínica e psicológica rigorosa, que leve em consideração o estado emocional, a capacidade de colaboração e o perfil do tumor.
Quais são os benefícios da cirurgia desperta?
Essa abordagem vem sendo cada vez mais adotada nos principais centros de neurocirurgia do mundo por oferecer vantagens importantes:
- Maior segurança na retirada de tumores complexos;
- Preservação das funções neurológicas essenciais;
- Menor risco de sequelas permanentes;
- Possibilidade de ressecção mais ampla do tumor, o que pode melhorar o prognóstico;
- Redução do tempo de internação em alguns casos.
E os desafios?
Apesar dos avanços, a cirurgia desperta também apresenta desafios. É necessário:
- Contar com uma equipe especializada e bem treinada;
- Preparar o paciente emocionalmente para a experiência de estar acordado durante o procedimento;
- Manter comunicação clara e eficaz durante a cirurgia;
- Monitorar constantemente o estado clínico e psicológico do paciente.
Ciência, precisão e humanização a serviço da vida
A cirurgia com o paciente acordado é um dos exemplos mais impressionantes de como a neurociência e a tecnologia médica avançaram nas últimas décadas. Ao permitir que o paciente participe ativamente da cirurgia, os médicos conseguem agir com mais segurança e preservar ao máximo a qualidade de vida após o tratamento.
Se você ou alguém próximo recebeu o diagnóstico de um tumor cerebral em região crítica, converse com o neurocirurgião sobre essa possibilidade. A informação é o primeiro passo para um tratamento mais eficaz, seguro e humano.